Autocontrole é o domínio que a vontade exerce sobre a memória, imaginação, sentimentos, paixões, forças instintivas… Para conseguir isso é necessário o desenvolvimento da força de vontade, a que podemos chamar de virtude da fortaleza, que é consequência de um habitual treinamento de fazer o que a razão ou inteligência mostra que deve ser feito em cada momento. No caso das crianças, como a inteligência e a vontade delas não estão desenvolvidas, devem ser guiadas pelos pais e educadores.

         Cumprir o dever de cada momento deve ser um ato da vontade, do querer livre, e não ação condicionada apenas pela força dos sentimentos, que por vezes podem estar ausentes ou serem contrários ao que deve ser feito. O verbo próprio para a determinação da vontade é “querer”; já o verbo empregado às inclinações dos afetos é “gostar”. O querer deve ser a inclinação da vontade em direção ao bem e à verdade reveladas pela inteligência, e o que lhe dá forças; o gostar ou não gostar é o que agrada ou não a afetividade.

         Outro motor do funcionamento humano é a afetividade (sentimentos, emoções, paixões). Os sentimentos podem ser positivos ou negativos: positivos quando apoiam as decisões da vontade (o querer livre); os negativos ocorrem quando dificultam a vontade de comandar as ações: não faço o que devo porque me custa esforço e não gosto de contrariar os meus sentimentos.

         Durante a infância, a afetividade domina as ações da criança, que sempre buscar sentir-se bem ou não se sentir mal, e a educação nessa fase consiste em educar a afetividade. Quando os pais vão esclarecendo a inteligência da criança, ainda em desenvolvimento, para compreender as razões de uma determinada ação, a ela passará aos poucos a agir pela determinação da vontade. O exercício diário da débil vontade da criança deve ser estimulado para o que é bom, tanto para ela quanto para os demais, a fim de que crie bons hábitos ou virtudes.

         O que é bom em cada momento é determinado pelo juízo da inteligência ou consciência prática, que julga a realidade a partir dos conhecimentos adquiridos (no caso das crianças, pelas pessoas encarregadas de formá-las). O domínio da vontade sobre a afetividade necessita primeiramente do esclarecimento da inteligência, que oferece sua luz para que a vontade se incline ao que deve ser feito, e tenha forças para controlar as demais funções psíquicas e corporais: percepção, memória, imaginação sentimentos, emoções, paixões e instintos. O exercício desse controle supõe esforço no início, mas logo se transforma no hábito ou virtude da fortaleza, de modo que a vontade vai desenvolvendo uma permanente capacidade de amar e procurar o bem.

         As batalhas entre a afetividade e a vontade são variadas e se travam no interior da pessoa, pois os sentidos (visão, audição, paladar, olfato e tato) induzidos pela afetividade (sentimentos, emoções, paixões) tendem a buscar o que é divertido, agradável e gostoso no momento e evitar o que custa esforço: é mais fácil assistir a um vídeo fora de hora, refastelar-se na poltrona ou sofá, jogar games ou ouvir música quando se deveria cumprir uma obrigação, comer fora de hora, etc., mas isso fomenta o vício da preguiça, intemperança e cria outras dependências que conduzem ao enfraquecimento da vontade. Algumas pessoas pensam que a liberdade é realizar os atos que lhe apetecem afetivamente ou porque sentem gosto em fazê-los. Ações agradáveis como ver televisão, comer, beber podem ser condutas livres, mas trata-se de uma liberdade superficial, externa. A verdadeira liberdade tem a ver com a vontade ou o querer livre que impulsiona a afetividade, imaginação, memória e percepção para agir em busca do bem: posso não sentir gosto em realizar uma tarefa, mas devo fazê-la porque é importante.

         Os sentimentos e as emoções positivas (autoestima, alegria de cumprir o dever, segurança, confiança) agem como óleo lubrificante que ajudam no autocontrole pessoal. No dia a dia se encontram muitas pequenas oportunidades de viver o chamado “minuto heroico”, desenvolvido pela espiritualidade cristã: minuto heroico porque é uma decisão rápida de não protelar ou empurrar com a barriga o que deve ser feito em cada momento, e se vive isso com ânimo esportivo de começar e recomeçar após o incumprimento de uma obrigação. Os esportistas continuamente buscam com alegria a melhora de sua performance, e quando falham recomeçam. Quem desfruta dessa luta positiva se cansa menos porque a afetividade, que procura o mais fácil a curto prazo, passa a sentir prazer e alegria ao cumprir as obrigações, e a pessoa cresce em força de vontade, autocontrole e maturidade. Quando a vontade está no comando das ações, a sensação de ser livre e protagonista da própria vida produz verdadeira felicidade.

         Outra frente de batalha consiste em evitar que estímulos intensos – internos ou externos – ofusquem a inteligência e enfraqueçam a vontade, dificultando a pessoa para decidir pelo que é bom e verdadeiro. Por exemplo, sentimentos como angústia, tristeza, ansiedade, insegurança, medo, sentimento de inferioridade, ira, inveja, raiva, desejo de poder e ganhar dinheiro a qualquer custo, podem criar barreiras e induzir a condutas irracionais. Esse é o processo de todos os vícios, que reduzem a liberdade e o desejo de querer o bem.

         Alguém que desde a infância se deixou conduzir mais pela afetividade, tem alterado seu funcionamento psicológico, e se convence facilmente de que é livre e suas decisões são frutos da razão e da vontade. Porém, na realidade, não percebe estar dominado por sentimentos e emoções que determinam suas ações: um hipocondríaco pode tomar seu pulso de hora em hora e pensar que isso é correto, e que o faz livremente; outro, entra em sites inconvenientes e acha que faz isso livremente, sem perceber que está escravizado por um vício ou paixão que obscurece sua inteligência e enfraquece sua vontade. Um fanático por futebol facilmente se convence de que na área do seu time, os jogadores adversários se atiram ao chão de propósito para simular pênaltis; enquanto que na área contrária, os jogadores do seu time sempre sofrem pênaltis quando caem. Há quem se comporta de modo violento e se justifica ter agido livre e racionalmente para não concluir que se deixou levar pela paixão da ira. Viciados que passam horas e horas em mídias e telas digitais acreditam agir livremente, sem perceber que estão escravizados por paixões que os levam a perder tempo com frivolidades que enfraquecem o caráter, empobrecem a inteligência para pensar profundamente e debilitam a vontade para assumir compromissos. Enfim, são muitos os exemplos de pessoas que se acham dominadas por emoções negativas intensas e acreditam agir livre e racionalmente.

         Quando se vive com verdadeira liberdade, não se quer viver de outra maneira. Agir habitualmente não movido pelos impulsos dos afetos (quando estes são negativos), faz experimentar uma verdadeira liberdade interior. Para ganhar essa luta, o segredo está em fortalecer a vontade por meio de pequenos e constantes vencimentos diários: não comer fora de hora, posicionar-se com modos na poltrona ou sofá, ser pontual e não atrasar o estudo e as tarefas, manter ordem nos objetos pessoais, ter o rosto alegre quando não se tem gosto para isso, crescer em espírito de serviço no lar, não interromper os afazeres para conferir as redes sociais e estabelecer um horário para isso…

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