Todos temos necessidade de nos conhecermos, e dar unidade ou integrar as inclinações, afetos, inteligência, vontade e relações. Essa unidade se constrói pela assimilação das experiências e da formação recebidas. As rupturas que surgem nessa unidade resultam de falhas de integração: se há harmonia e integração na interioridade, as decisões, ações e relações alcançam o seu sentido mais profundo.
O lugar dos sentimentos
Essa integração começa por entender o papel das inclinações e dos sentimentos: as inclinações representam a forma (necessidades e desejos) de nos relacionarmos com o mundo e as pessoas; os sentimentos revelam o modo de julgarmos essas relações (como algo agradável ou desagradável, favorável ou desfavorável).
Cada sentimento é apreciação concreta de uma realidade e o modo da subjetividade se comunicar com ela: como afeta e o que significa para a pessoa que sente. Cada sentimento deve ser interpretado e avaliado para ser ou não aceito como motivo da ação. Ele indica em que situação se encontra a subjetividade, como e por que determinada realidade o provoca, que ressonâncias o desperta e que existe na pessoa que favorece tal reação afetiva.
Compreender o que ocorre na subjetividade pessoal e na dos outros ajuda a entender melhor os sentimentos e o alcance deles, a fim de orientá-los e transformá-los em contribuição para o crescimento pessoal e moral. É ineficaz rejeitar um sentimento simplesmente com uma verdade geral ou um dever, pois significaria contrapor a afetividade à razão e à vontade, e se passaria a encarar os afetos como um obstáculo ao cumprimento das obrigações, e que devem ser ignorados, conduzindo à insensibilidade e à aridez interior. Por outro lado, justificar a ação – correta ou não – com base em um sentimento, leva ao desequilíbrio, desencanto e à perda de sentido da própria vida, dada à inconstâncias dos estados afetivos.
O Lugar do Entendimento
A falta de capacidade para interpretar e purificar os próprios sentimentos deixa que eles permaneçam em estado embrionário, sem ajustes ou integração. O amadurecimento pessoal exige a compreensão dos sentimentos, que por não serem racionais, podem levar ao engano, exagerando ou minimizando a realidade. Conhecer a vida de pessoas que souberam integrar ou harmonizar seus sentimentos (espelhos objetivos), seja na convivência com outros ou através da literatura e filmes, colhe-se experiencias enriquecedoras, que ajudam a compreender a verdade sobre si mesmo. Recorrer a pessoas capazes e de confiança para ajudar a compreender os sentimentos, colabora no reconhecimento da verdade sobre si mesmo, pois o diálogo profundo permite refletir se os próprios sentimentos correspondem à realidade e à verdade.
O Lugar da Vontade
Os sentimentos estabelecem a relação pessoal com o mundo e com as pessoas, a inteligência traz essa relação ao contexto da própria vida, e a vontade move à ação. A vontade se inclina e consente com base nos motivos apresentados pela razão, mas os motivos que levam a essa inclinação em grande parte nascem da afetividade, além do querer consciente da vontade. As decisões moldam o modo de ser de uma pessoa.
Para agir, a vontade necessita de motivação e luz, que iluminam e aquecem o coração. A falta de força de vontade diante das dificuldades costuma nascer de uma afetividade não integrada. Sem essa luz interior, sem a voz do coração, corre-se o risco de ir por caminhos do racionalismo frio ou do voluntarismo cego, que faz mirrar a vida interior e esgota as energias da pessoa. Se, ao contrário, a decisão tem uma motivação integrada, nasce a energia que fecunda a ação.
Para um querer de verdade é preciso que os sentimentos, desejos, pensamentos e ações amem a verdade, pois isso leva ao amor a Deus e ao próximo, e a sentir aversão pelo que é mau. Educar interiormente significa orientar-se para o que é bom, verdadeiro e belo. Em tal processo, o entendimento e a vontade deixam-se atrair e preencher-se pelo bem, e as razões, propósitos e decisões transformam a vida, convertendo-se em convicções firmes.
A vontade se desperta e encontra no bem a sua motivação mais profunda, não por imposição de outros, mas por sua abertura à verdade. Os sentimentos surgem antes que a razão e a vontade possam despertar. Mas isso não significa que os sentimentos não devam ser ajustados, desenvolvidos e refinados pela inteligência e vontade. Há períodos em que sentimentos e vontade parecem não entrar em harmonia, sendo necessário ter serenidade e conter as reações imediatas e refletir, rezar e pedir ajuda da graça divina para ter uma perspectiva justa para as situações difíceis.
Decisões profundas não são frutos de um instante, mas exigem tempo e reflexão para chegar às razões adequadas que conduzam a ações responsáveis, capazes de explicar a si e aos demais o porque das escolhas. Desconhecer as motivações ou justificá-las com fatores externos é sinal de decisão imatura, de quem não assume os atos realizados, mas atribui-os a fatores externos e não pessoais.
O lugar dos sentidos externos
Um modo para ir melhorando a formação pessoal não está apenas na educação da inteligência, vontade e afetos. É preciso afinar cada um dos cinco sentidos que compõem o sistema sensorial humano (visão, audição, paladar, olfato e tato), pois eles enviam informações à inteligência, a ponto de os clássicos afirmarem que “nada há no intelecto que não tenha passado pelos sentidos”.
Se os sentidos permanecem no grotesco, no elementar, a sensibilidade fica impedida de levantar voo para a verdade e beleza, e se fecham para compreensão do mundo e das pessoas. Quem passa muitas horas semanais degustando vídeos de muita ação – esportes, filmes, videogames –, fica incomodado com enredos mais elaborados e reflexivos.
A vista pode se tornar preguiçosa e não se ater por muito tempo na contemplação de algo, por ex, fixar-se em detalhes e deleitar-se diante de uma obra de arte.
A audição pode ser educada para encontrar ilhas de silêncio e abrir espaço à leitura e reflexão. O excesso de áudios e vídeos dificulta esses momentos. Há horários para ouvir boa música, e não só ouvir música.
O paladar é um sentido que pode ser afinado: ir mudando o gosto por hambúrguer com batas fritas, bacon, ovos, muito ketchup e mostarda, para saber apreciar sabores menos marcante e mais sutis.
O olfato está relacionado à higiene corporal: ir bem limpo, barbeado, asseado, talvez com um pouco de perfume discreto para tornar a presença agradável, roupa limpa e cheirosa…
O tato é o sentido mais primitivo e está presente não somente nas mãos, mas na pele que envolve todo o corpo, da cabeça aos pés. Ele se relaciona com o cuidado das formas, tom humano, delicadeza no trato com os demais. O modo de se apresentar, de se sentar esparrado ou não, de se postar na mesa para estudar ou trabalhar, de torcer pelo time de futebol sem descontroles… A intemperança não só acontece pela boca, mas em escolher os lugares mais confortáveis para sentar-se em casa: minha cadeira, meu lugar no sofá, minha mesa, meu canto preferido.
As Relações Pessoais
Inclinações, sentimentos, sentidos, entendimento e vontade devem integrar-se para surgir uma personalidade equilibrada e madura, apta a estabelecer relações pessoais autênticas e profundas, que ajudam a crescer. O homem não é um ser isolado, mas necessitado dos demais. As relações com outras pessoas ajudam a configurar a própria identidade e delas surgem sentimentos, desejos, pensamentos e o amor. Isolados e sem relações, a pessoa chega a se desconhecer e se empobrece como ser humano, pois o homem não existe isoladamente, mas em comunhão.
O bom relacionamento exige, além do autoconhecimento, a capacidade de aceitar e amar cada pessoa como ela é: um ser único e irrepetível. Conhecimento e amor são a essência de toda relação pessoal. Valorizar as relações que recebemos sem escolhê-las e as que estabelecemos livre e responsavelmente
Texto elaborado por Ari Esteves. Sugestão de leitura: “Sem que se perceba”, de Julio Diéguez, Cultor de Livros, São Paulo, 2020.
Peça aos parentes, amigos e colegas de trabalho para assinar o nosso boletim, que é gratuito e enviado semanalmente por e-mail. Inscreva-se pelo site www.ariesteves.com.br
Gostou deste Boletim?
Se puder contribuir com nosso trabalho, envie sua contribuição para o PIX:
ariesteves.pedagogo@gmail.com

Chave Pix copiada!