1 – A criança consumista não é criativa. 2 – O mal do consumismo infantil. 3 – Pais submissos, crianças sem limites. 4 – A criança não deve fazer tudo o que quer.

1 – A criança consumista não é criativa

    “Tem mais quem precisa de menos” é provérbio da sabedoria popular e de senso comum. Dar tudo o que a criança quer não é o caminho de uma boa educação, pois esta consiste em fazer por merecer, alegrar-se e sofrer pelo que vale a pena, entusiasmar-se com as próprias descobertas, inventar ou criar para suprir as necessidades: a criança criativa faz seus brinquedos e inventa brincadeiras.

    Educar é um saber prático, visto que consiste em ensinar o outro a comportar-se. Muitos presentes insensibilizam a criança, que passa a não reconhecer o custo das coisas, além de se tornar passiva e mal agradecida. Para deslumbrar uma criança consumista são necessários brinquedos cada vez mais sofisticados e caros. Pais submissos compram roupas de grife e mochilas da moda porque não querem que o seu fofinho – coitadinho − aproveite as roupas do irmão ou a mochila fora de moda. No fundo, desejam crianças-troféus para serem exibidas.

2 – O mal do consumismo infantil

    Miguel Cervantes dizia que o caminho da virtude é estreito, e o do vício é amplo espaçoso. A criança mimada, paparicada, a quem os pais não colocam limites, terá a vontade e a imaginação reduzidas, e sua capacidade de esforço será para voos curtos como o das galinhas, e não para chegar às alturas como o das Águias. O que é bom e valioso exige esforço, mas elas não estão dispostas a isso.

    Saturada pela espiral negativa do consumismo, a “criança digital” já não se admira com as coisas simples que a natureza oferece, e perde o padrão de todo conhecimento e conclusão, pois estes têm como base a realidade. A falta de limites, muito própria do consumismo frenético, principalmente o da irrealidade digital, destrói nas crianças a curiosidade para as coisas valiosas que a cercam, e as faz pensar que as pessoas e o mundo devem se comportar como elas querem. A sensação de prazer e bem-estar que causa na criança a saturação dos sentidos, a faz perder a curiosidade e o apreço pelo silêncio, tão necessário para fomentar a criatividade.

    A criança que possui tudo foge do esforço para conseguir algo por si mesma, já que recebe tudo pronto. Ao perder a capacidade inventiva, ela necessita de filmes e videogames sempre mais acelerados, pois não possui interioridade e imaginação para criar algo. O consumismo reduz na criança o desejo de conhecimento e a conduz à falta de limites, que a indispõe para virtude, pois esta exige esforço.

    A criatividade e a descoberta, que são formas mais elevada de conhecer, surgem de maneira natural nas crianças, dada a tendência delas para a verdade, bondade e beleza. Porém, descobrir ou inventar algo não surge do caos, do apertar o play que traz tudo pronto, do barulho contínuo e da saturação dos sentidos pela falta de limites e indisciplina. O silêncio contemplativo diante de uma embalagem vazia que tem em mãos, faz a criança ser criativa e inventar seus próprios brinquedos,

3 – Pais submissos, crianças sem limites

    O pensamento simplista da criança é assim: Se as coisas não são como eu quero, fico emburrada e birrenta para que sejam como quero”. A birra, que começa a partir dos dois anos, é consequência da frustração do “não” gordo e rotundo que recebeu. Se os pais cedem em tudo, reforçam aquele pensamento; se não cedem, deixam claro que as coisas não são como elas acham que devem ser. Quando a criança conclui isso − bem-vinda à vida real! – terá menos frustrações ao iniciar a convivência com outras pessoas.

    É comum ver nos supermercados e shoppings crianças que pedem aos gritos porque não aceitam um “não”. Então, batem, gritam e jogam as coisas, tudo sob o olhar compassivo de pais que abdicaram de exigir delas. São crianças que necessitam ter menos produtos caros e mais objetos simples; menos videogames e mais esforço para andar de bicicleta e jogar bola; menos presentes e mais espírito de serviço e dedicação de tempo e carinho pelos familiares; menos TV e tabletes e mais passeio pelo parque ou praça arborizada para observar a natureza; menos barulho e mais silêncio criativo.

4 – A criança não deve fazer tudo o que quer

    Há uma lei que as crianças precisam conhecer e viver o quanto antes: somos livres para fazer o que queremos, mas não o somos para as consequências que os nossos atos provocam. O mundo tem suas leis: o sol queima, queiramos ou não. Para ir ao parque em dia ensolarado é preciso colocar o boné. Se a criança não quer colocá-lo, não é necessário enfiá-lo à força, mas com cara alegre e descontraída, para que ela compreenda que é assim que as coisas funcionam, dizer simplesmente: − Que pena, querido, então não iremos ao parque! Vamos aguardar para ir em dia sem sol, já que você não quer ir de boné. A criança ao sentir a segurança dos pais em suas afirmações, não mais colocará à prova o limite deles.

    Viver a liberdade exige da criança aprender a ter limites para brincar, comer, dormir, ler, ver desenhos, e não temer o esforço para a conquista de bons hábitos ou virtudes. Soa paradoxal falar de limites e de esforço como condição da liberdade, mas não é. Montessori resolve esse aparente paradoxo ao dizer para deixar a criança que ainda não desenvolveu sua vontade fazer o que ela quiser, é trair o sentido de liberdade (porque isso leva à libertinagem, acrescento eu). A liberdade é consequência do desenvolvimento da personalidade, adquirida no esforço por viver retamente.

Texto produzido por Ari Esteves com base no capítulo 7 “Ter tudo? Estabelecer e fazer respeitar os limites”, do livro “Educar na curiosidade”, de Catherine L´Ecuyer, Editora Fons Sapientiae, 3ª. Edição, São Paulo, 2016.

O Autor

Gostou deste Boletim?

Se puder contribuir com nosso trabalho, envie sua contribuição para o PIX: 

ariesteves.pedagogo@gmail.com