
A autoridade não está de moda. Isso não significa que não a necessitemos, mas dizem que não é de bom tom exigi-la para não se parecer autoritário. O que todos gostariam mesmo é de ser obedecido sem precisar mandar.
―“Professora, temos que fazer hoje de novo o que quisermos?”, perguntou certa vez uma aluna a uma professora determinada a impor a não-diretividade ou condução da aula, porque era a favor do respeito ao suposto direito da criança de alcançar a felicidade através de sua liberdade e por meios próprios.
Aqueles que criticam a disciplina de contenção [que procura evitar os erros] e as rotinas impostas, costumam acreditar que existe um princípio que brota espontaneamente da alma em direção à verdade, independente de uma educação a ser oferecida. Estes deveriam olhar um pouco mais de perto para a realidade, porque a contenção pode expressar um autodomínio louvável em uma pessoa adulta, e as rotinas (higiene, alimentação, sono, etc.) contribuem para a estabilidade psicológica e emocional da criança, ao facilitar-lhe a vida e proporcionar a fundamental experiência da virtude da ordem contra o caos ou a desordem.
O amor é uma moeda de duas faces: uma é a aceitação do ser amado por ser quem ele é; a outra é a exigência de que o ser amado esteja à altura de ser quem ele é. Cada face da moeda corrige os excessos da outra. Não negarei que nem sempre é fácil manter a moeda equilibrada na borda, pois às vezes cai de um lado e às vezes do outro. Mas a aceitação do outro sem exigência degenera facilmente em indulgência, tal como a exigência sem aceitação geralmente degenera em frustração. O amor não se contenta com mensagens de autoajuda. É por isso que admiramos os pais que ajudam os seus filhos a crescerem com competência diante do risco.
Decidi escrever sobre estas questões depois de receber um presente de uma amiga francesa. Trata-se de seu caderno escolar de quando tinha onze anos, anos letivos de 1959-1960. Na primeira página encontrei o seguinte texto escrito em magnífica caligrafia: “A escola desenvolve a nossa inteligência, forma a nossa consciência e o nosso carácter e nos torna boas pessoas”. Depois, ao virar as páginas, encontrei outras preciosidades: “É preciso fazer cada dia um esforço para ser um pouco melhor que no dia anterior. Coragem“; “Vai-te para onde queiras, que ali encontrarás a tua consciência”; “O bem não tem sempre recompensa. É preciso fazer o bem pelo bem, não pela recompensa” “Tudo na vida está sujeito a deveres: em ser fiel a eles está a honra; em não os respeitar está a vergonha”.
Podemos pensar que se trata de uma retórica ultrapassada, típica de tempos austeros, mas os testes internacionais confirmam que os melhores resultados escolares são obtidos por crianças que frequentam ao que uma destas provas (PIRLS 2016) chama de “Safe Schools”, escolas seguras, isto é, escolas sem problemas de disciplina. Além disso, os melhores leitores, seja qual for o país que considerarmos, frequentam escolas onde os professores enfatizam o sucesso acadêmico.
Costumo defender a importância da autoridade familiar com três razões básicas:
1. A criança precisa de aliados fortes para lutar contra os monstros que estão sempre debaixo da cama.
2. O que educa a criança é a elevação do seu olhar até os olhos dos pais, e não ao contrário.
3. A criança possui naturalmente muito mais energia do que bom senso para controlá-la, e quem deve suprir com sentido comum as deficiências de bom senso da criança é o adulto.
Essas três razões também me servem para defender a autoridade na escola:
1. O aluno precisa de aliados fortes para combater seus erros e inseguranças.
2. O aluno necessita para formar-se de alguém que mereça o seu respeito e o ajude a visualizar, de forma crível, o melhor que pode chegar a ser.
3. O professor necessita de doses enormes de bom senso para suprir as deficiências não de uma criança, mas das muitas crianças que tem na sala de aula.
A pessoa educada é aquela que dispõe de recursos para – como disse uma de nossas místicas, Irmã María Jesús de Ágreda – elevar-se acima de si mesma. Mas este exercício é impossível se não tiver a luz do olhar de um adulto que ajude a crescer, encorajando a confrontar as expectativas razoáveis com a realidade.
As épocas em que aquilo que é velho se resiste a morrer e o que é novo se recusa a nascer são propícias para as crises de autoridade. As figuras de autoridade tradicionais parecem ter esgotado a capacidade de ganhar respeito e já não podem atuar como guias, porém ainda não surgiram novas figuras orientadoras. Nestes momentos corre-se o risco de cair em generalizado ceticismo. Possivelmente nos encontramos em um deles, pois até o próprio conceito de adulto parece ter entrado em crise.
Até há pouco tempo um adulto era um ser humano que, pela sua experiência e bom senso acumulado (que incluía o fato de ter vivido a sua própria infância), tinha respostas para tranquilizar as inquietações da criança. E a criança reconhecia espontaneamente no adulto uma capacidade maior que a sua para diferenciar o grande do pequeno, o bom do mau, o seguro do arriscado, o belo do feio, o conveniente do vergonhoso, etc. Esses adultos possuíam o segredo da autoridade que, em última análise, consiste em não defraudar.
Para a criança, o adulto era a pessoa a quem ela queria impressionar. É por isso que ela exigia frequentemente a atenção dele: ―“Veja o que consigo fazer!”. O adulto era o homem sábio cuja aprovação sincera confirmava o valor dela.
Tenho a sensação de que hoje nós, adultos, perdemos a autoridade diante das crianças porque nos cansamos de ser adultos, ou seja, de ser chatos, e preferimos elogiar indiscriminadamente tudo o que as crianças fazem, com esforço ou sem esforço, coisa que, desde logo é certamente menos desagradável. O preço a pagar pela eleição do mais fácil é que as crianças encontram em nós um olhar rotineiramente complacente. Procuramos oferecer-lhes um mundo acolchoado, uma sala de jogos sem arestas, sem dificuldades nas quais possam tropeçar e, portanto, com as quais poderiam medir-se a si mesmas. Em vez de direcionar grandes expectativas para as nossas crianças, direcionamos baixas expectativas para o mundo. Onde as crianças devem buscar respostas importantes para sua autoestima, quando educadas no relativismo?
A formação do caráter foi substituída pela cultura da emotividade, para não pôr em risco a autoestima da criança e que, pelo contrário, a ajude a sentir-se bem consigo mesma. Para mim, a crescente incontinência emocional me faz desejar a contenção, e considero que mais nobre do que a empatia é o dever de ajudar naquilo que é considerado incompreensível, mas que necessita que se lhe estenda a mão.
O giro emocional que a educação vive é um giro orbital dos adultos em torno do frágil eu da criança. Por isso custa-me cada vez mais esforço convencer aqueles que me querem ouvir de que o conhecimento rigoroso tem o valor de uma experiência moral. A compreensão de um problema geométrico, por exemplo, me permite descobrir uma verdade eterna, admirável, diante da qual não sou o medidor, mas o medido. Na escola, a razão comum emudece diante das opiniões, das competências, das emoções e, em suma, diante do eu da criança. Mas continuo acreditando que a melhor maneira de cuidar da nossa alma é proporcionando a ela experiências de ordem, começando pelos conhecimentos rigorosos. Continuo acreditando também que no mesmo conceito de razão está implícita a ideia de hierarquia, e que por isso um pensamento rigoroso é mais valioso que uma opinião, por mais que seja minha.
Donoso Cortés [filósofo espanhol falecido em 1853] dizia que “o segredo dos crescimentos e das decadências das sociedades está no uso que fazem dos pronomes”. Em nossa sociedade o mais usado é o “eu” que, segundo Donoso, é a única palavra que se ouve no inferno.
Concluo com uma anedota contada por David Brooks, colunista do The New York Times, em seu livro The Path of Character: quando George Bush pai concorria pela presidência dos Estados Unidos, se recusava a falar sobre si mesmo devido aos valores que lhe inculcaram na infância. Se um editor incluía a palavra “eu” em seus discursos, ele automaticamente a riscava. Os seus colaboradores lhe disseram: “Se está competindo pela presidência, tem que falar de você mesmo!”, e o forçaram a fazê-lo. No dia seguinte, Bush recebeu um telefonema de sua mãe, que lhe disse: ―“George, outra vez está falando de ti…”. E Bush voltou ao redil, não mais com “eu” nos discursos.
Artigo de Gregorio Luri: “La autoridad en tiempos emotivos”, publicado em Aceprensa https://www.aceprensa.com/firma-invitada/la-autoridad-en-tiempos-emotivos/, traduzido e adaptado por Ari Esteves para o site www.ariesteves.com.br/boletins. Imagem de Monstera Production.
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