Educar na liberdade

1 – Cada pessoa deve escolher seu próprio caminho. 2 – O bom uso da liberdade. 3 – Correr o risco da liberdade dos filhos. 4 – A virtude faz utilizar bem a liberdade. 5 – Confiança no educador. 6 – Autonomia e liberdade versus superproteção e autoritarismos.

1 – Cada pessoa deve escolher seu próprio caminho

    A liberdade é uma das marcas que definem a pessoa humana, e que permite ao homem alcançar sua máxima grandeza, ou degradação quando é mal utilizada. A realização da liberdade consiste no conjunto de decisões que vão delineando a própria vida e configurando a biografia e identidade pessoais. Cada pessoa escolhe o seu caminho a trilhar, e isso se chama projeto vital. Instalado no tempo presente, o homem olha para o futuro, a fim de ver aonde quer chegar, e mediante decisões tomadas no seu hoje escolhe a carreira profissional com a qual pretende servir melhor aos outros, prepara-se para ingressar no curso ou faculdade que pretende fazer, procura um posto de trabalho, decide-se casar e montar uma família, opta por alguma atividades social para ajudar pessoas necessitadas, seleciona os livros culturais com o qual enriquecerá sua inteligência e seu coração… São escolhas que precisam ser colocadas em prática no presente, pois não basta a espontaneidade e o ir tocando a vida para que a liberdade seja bem empregada e tudo dê certo: viver é idealizar projetos e levá-los a termo; é ter uma meta, uma direção, pois sem isso a liberdade se torna irrelevante e a vida tenderá a ser mesquinha (qualquer projeto magnânimo exige a tomada de decisões).

    O ser humano pode aspirar a realizações para as quais se vê dotado, mesmo que isso suponha sacrifícios ou riscos, que estão presentes em todos os projetos que valem a pena. Caso contrário, a liberdade ficará restrita à escolha da roupa para ir à festa, o esporte a praticar no fim de semana, o game com o qual matará o tempo… Se não há um fim alto e atraente, um projeto para o qual vale a pena sacrificar-se, a vida se reduzirá ao trivial e a pessoa se empobrecerá vitalmente. A meta alta a que uma pessoa se propõe se chama ideal.

2 – O bom uso da liberdade

    Toda forma de crescimento humano e espiritual apela para a liberdade, pois sem ela não há educação, mas adestramento, domesticação ou imposição, que é para animais. A liberdade exige um querer pessoal, não manipulado pelos outros, pois se apoia sobretudo no exercício da vontade. A tarefa formativa consiste em oferecer os conhecimentos intelectuais e morais para que cada pessoa possa querer e agir por vontade própria: não se obriga um filho a estudar, mas se oferece os elementos para que ele decida livremente e com entusiasmo a fazê-lo. Ou seja, é necessário ajudar a pessoa a desejar receber educação, para processá-la intelectualmente e assumir o aprendizado como algo próprio, pois ninguém pode ser forçado a empreender um caminho que não quer: quem chegasse ao absurdo de amarrar o filho em uma cadeira, e o obrigasse a ler um livro colocado diante dele, não conseguiria fazê-lo estudar, se não o quisesse, pois se a vontade do garoto não é estudar, sua mente e imaginação irão para outros lugares.

    Muitos jovens consomem suas horas com músicas, games e vídeos, e não percebem que estão utilizando muito mal o tempo que dispõem e a própria liberdade. Fogem de fazer para si perguntas vitais sobre qual profissão escolher, que escola pretende cursar, quais as disciplinas que deve estudar para se preparar o ENEM, FUVEST ou outras provas… Adiam pensar nesses temas e tapam os ouvidos e a consciência com os fones de ouvidos e imagens de celular. Quando chegar o vestibular não terão tempo de estudar o suficiente, serão reprovados e irão reclamar da sorte e dos professores que tiveram. Educar para a liberdade é ajudar a que os filhos se perguntem sobre o que é uma vida sensata, e caso não saibam responder a isso, é sinal que estão deixando que o acaso resolva suas vidas, ou que outras pessoas decidam por eles.

    Para evitar o mau uso da liberdade, é importante iluminar a inteligência de cada filho, inflamar a vontade dele e fortalecer o seu coração com conselhos e orientações devidos, para que tome a decisão de assumir o que deve ser feito. Fomentar o protagonismo de cada filho começa desde as primeiras idades ao deixar que faça suas escolhas: ir ao parque ou ao shopping? Se decidiu pelo parque, e estando ali pretende mudar de plano e ir para o shopping, os pais devem fazê-lo compreender que deve assumir as consequências da escolha, e que o shopping ficará para a próxima semana. Se o garoto diz que pretende ser jogador de futebol, mais do que lhe dizer um não gordo e rotundo, deve ser ajudado a ponderar nas consequências dessa escolha, e já no presente fazer uma avaliação séria dos talentos e qualidades que possui para essa prática esportiva (não basta gostar de jogar futebol); dedicar horas diárias não apenas a jogar futebol, mas a treinamentos físicos para preparar o corpo para essa prática esportiva; frequentar escola de futebol; assistir a vídeos e entrevistas com preparadores físicos; saber como conjugará o tempo do ensino regular com um trabalho para ajudar nas despesas da casa e pagar a escola de futebol… Com isso, o jovem irá ponderar melhor acerca de suas escolhas, pois as coisas não caem prontas do céu.

3 – Correr o risco da liberdade dos filhos

    A educação deve levar a que o educando aperfeiçoe a capacidade de dirigir a própria existência e torne efetiva sua liberdade em vista de um projeto pessoal de vida. Amar os filhos é amar a sua liberdade, e isso implica correr o risco de expor-se à liberdade deles. Aos jovens, depois de dar os oportunos conselhos, e de fazer as considerações necessárias, os pais devem se retirar delicadamente para não abafar o grande dom da liberdade a que têm direito. Não se trata de uma despreocupada indiferença por parte dos pais, mas de construir a autonomia dos filhos. Não é possível desejar a liberdade deles sem aceitar as suas consequências. Para haver amadurecimento psicológico, junto com o respeito à liberdade deve-se oferecer as razões e exigências morais que ajudem a pessoa a escolher o bem e a verdade. Se um filho pede autorização para determinado plano, surge a ocasião de ajudá-lo a ponderar todas as circunstâncias que estarão em jogo, se é um capricho ou uma necessidade, para depois tomar uma decisão.

    Os pais devem pretender que os filhos, de acordo as idades deles, respeitem certos limites. Se são crianças ou adolescentes, algumas vezes poderá tornar-se necessário aplicar medidas corretivas com prudência e moderação, dando as razões oportunas e, claro, sem violência. Se um filho jovem opta por uma decisão errada, é preciso compreender e permanecer ao seu lado para ajudá-lo a superar as dificuldades e extrair daquela má experiência todo bem que for possível. É evidente que, ao tratar-se de crianças, por não possuírem ainda a inteligência e a capacidade de juízo desenvolvidas, os pais fazem esse papel ao direcioná-las para um agir correto, pois sabem que isso é o melhor para elas. Na infância, convém estimular o uso da sua liberdade ao pedir tarefas que os filhos possam realizá-las, e também dar-lhes explicações sobre o porquê certas coisas são boas e outras más.

4 – A virtude faz utilizar bem a liberdade

    Respeitar a pessoa e a sua liberdade não significa aceitar como válido qualquer escolha. Os pais devem dialogar com os filhos sobre o que é bom e reto e, em alguma circunstância, deverão ter a valentia de corrigir com a energia necessária, tal como fez certo pai que disse à filha de 15 anos que não permitiria que ela fosse à festa com a roupa tão curta que utilizava, e que deveria trocar de vestido. A filha tentou driblar a indicação, mas vendo a firmeza do pai, mudou de roupa. Na festa, percebeu que suas colegas não se respeitavam a si mesmas, e que por isso não eram respeitadas e nem podiam exigir que o fossem, e compreendeu os motivos do pai. O amor busca o bem da pessoa, e que esta dê o melhor de si, a fim de alcançar uma felicidade verdadeira, que preenche a alma. Quem ama pretende que a outra pessoa lute contra as suas deficiências, ajudando-a nessa tarefa. Uma conduta correta costuma ser o resultado de muitas correções.

    O ambiente hedonista e consumista que hoje respiram muitas famílias, não permite compreender o valor da virtude ou a importância de atrasar uma satisfação para obter um bem maior: ser livre e não escravo de suas paixões ou instintos. Os bens que valem a pena conquistar exigem empenho e força de vontade para serem atingidos. A virtude da fortaleza fornece a energia moral para não se conformar com o já alcançado, e quem possui essa energia é mais livre do que aquele que não a possui. Constitui um desafio para os educadores, em particular aos pais, mostrar de modo convincente que o uso autenticamente humano da liberdade não consiste tanto em fazer o que agrada, mas em fazer o que é certo, bom e verdadeiro. Não há maior escravidão ou perda de liberdade do que se deixar levar pelas paixões: quem apenas faz o que lhe agrada é menos livre e feliz do que aquele que cumpre com o seu dever.

5 – Confiança no educador

    Para os pais ganharem a confiança dos filhos precisam primeiramente confiar neles, a fim de que estes possam abrir a sua intimidade. Sem confiança é difícil propor metas que contribuam para o crescimento pessoal dos filhos. A confiança se consegue, mas não se pode impô-la ou exigir. Adolescentes e jovens necessitam confiar no educador, e o fazem quando veem nele um comportamento moral justo, quando ele é íntegro e coerente ao viver o que ensina, e que é portador de verdades de que carecem. Assim se adquire a autoridade moral necessária para educar, pois caso contrário paralisa-se esse processo.

    Cada idade tem seu aspecto positivo, sendo que o da juventude é confiar e responder positivamente ao estímulo feito de modo amável para assumir tarefas. Se os pais nada pedem, não ajudam o amadurecimento psicológico dos filhos, que passam a satisfazer apenas seus caprichos. Quem é pouco exigido desde a infância, se acomoda e passa a julgar que tudo deve ser resolvido pelos outros. Essa falta de esforço e de virtudes torna os filhos imaturos e resistentes a qualquer sacrifício, mesmo o de estudar seriamente.

6 – Autonomia e liberdade versus superproteção e autoritarismos

    Crescer em autonomia é crescer em liberdade. Os filhos crescem em autonomia ao perceber que seus pais só intervêm quando é realmente necessário. É preciso confiar na capacidade dos filhos resolverem seus problemas, e perguntar sempre a opinião deles sobre o que pretendem fazer − se acham certo ou errado −, e dar chances para que reflitam sobre suas ações. Esse é o caminho para o amadurecimento de uma personalidade sadia.

    Há duas atitudes de pais inseguros em tornar seus filhos independentes: o autoritarismo e a superproteção. Tanto o autoritarismo quanto à superproteção, cerceiam a liberdade dos filhos, e leva-os à introversão, à falta de segurança ou medo de agir por conta própria, à vergonha de se expor ou se arriscar, à inabilidade no convívio social. O autoritarismo obriga à força, goela abaixo, porque são pais que não sabem dialogar e dar os motivos que possam esclarecer a inteligência e fortalecer a vontade dos filhos para que queiram fazer o que deve ser feito, então empregam a força bruta. Já a superproteção elimina a iniciativa dos filhos, que acabam sendo substituídos naquilo que poderiam fazer sozinhos, levando-os ao acomodamento e ao egoísmo de pensarem só em si. Mimar e poupar de fazer sacrifícios ao não lhes atribuir tarefas no lar torna-os egoístas e interessados apenas em suas coisas. Por medo de exigir, a mãe superprotetora vive dizendo: “Aí, vai quebrar o copo e se cortar, deixa que eu guardo”; “Eu levo a mochila pra você não cair”; “Tadinho, a professora passou muita lição de casa!”; “Cadeira malvada, por que você machucou o pé do meu filhinho?”, e a mãe bate na cadeira como se o móvel fosse culpado pela imprudência da criança. Tais filhos logo percebem que a mãe não confia em sua capacidade de ser livre e agir por conta própria. Também não se educa em autonomia quando os pais, impacientes e inconstantes, e com a desculpa de que “não têm tempo” ou que “farão melhor”, se adiantam a fazer o que a criança poderia realizar.

    A autonomia deve ser fomentada ainda quando os filhos são crianças: se o garoto trocou os tênis de pés e indaga se estão corretos, não responda, mas pergunte sobre o que ele acha. Se houver um desentendimento com um amigo da escola, dialogue sobre que meios deverá ele empregar para resolver a situação. Responsabilizar os filhos para realizar tarefas no lar fortalece a vontade deles para cumprir suas obrigações, e os faz pensar nos demais e não apenas em si próprios, e com isso se preparam para sacrificar-se por ideais mais custosos de levar adiante.

Texto produzido por Ari Esteves com base no livro “Fundamentos de Antropologia”, capítulo 6 (A liberdade), de Ricardo Yepes e Javier Aranguren, Instituto Brasileiro Raimundo Lúlio, São Paulo, 2005;  artigo “Educar na liberdade”, de J.M. Barrio, em www.opudei.org.br; artigos que estão no site www.ariesteves.com.br, página Boletins por Temas, verbete “Educar a vontade”. Desenho de Ron Lach.

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